sábado, 20 de outubro de 2012

Suicídios

Falaram-me num estudo europeu que aponta para um aumento actual do número de suicídios demonstrando uma relação entre suícídio e depressão. Esta é uma relação conhecida mas desta feita na origem da depressão encontra-se a crise económica. Esta também é uma relação conhecida, tal como o provaram o aumento do número de suícidios em outros momentos de crise económica. Senti o habitual silêncio que se instala quando se fala de suicídio, como se algo de inexplicável se instalasse. Creio que é sobretudo o sentimento de impotência que move quem se suicida que é sentido. O sentimento de impotência para fazer face ao desespero, à dor, à falta de esperança, sejam quais forem os motivos que os motivem. Neste caso, parece ser a crise económica. Digo parece porque a crise é o gatilho que motiva a depressão e o consequente acto de lhe pôr fim, mas no fundo é a identificação com um padrão, com um paradigma, com um modo de vida fora do qual não se concebe a existência. E existe vida para além do modelo em que vivemos, muita vida, Vida. O modelo em que vivemos não merece que abdiquemos da nossa vida por não conseguirmos fazer parte dele, sobretudo quando é esse próprio modelo que não consegue suportar as utopias que criou e que alienaram milhões. E quando as utopias que davam sentido à vida sucumbem a depressão instala-se. Deprimir é perder a ligação com a nossa essência, com a nossa capacidade de criar e de nos reinventarmos a cada momento. Se nos conseguirmos ligar a essa essência ganhamos clareza e perspectiva e o desespero, a dor e a falta de esperança tornam-se suportáveis e até ultrapassáveis. É essa ligação, que não é mais do que uma relação connosco mesmos que nos pode pôr em relação com os outros num modelo mais genuíno e gratificante no qual a nossa criatividade é bem vinda e não alienada.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Revolução

Um amigo publicou uma foto na qual se lê: "Bora lá fazer a puta da revolução".
É uma frase curiosa, na qual sinto algo de contraditório. Como se fosse giro fazer uma revolução mas ao mesmo tempo uma chatice, quase uma obrigação. Giro talvez porque a mudança pode ser "divertida", uma chatice porque mudar é difícil.
Vivemos uma época em que se gosta das "coisas giras", em que o prazer imediato tem primazia sobre tudo o resto e em que o esforço parece ser algo a eliminar da equação da vida. E mudar implica esforço.
As revoluções começam em nós  mesmos, nas mudanças que estamos dispostos a fazer nas nossas vidas, mesmo, ou acima de tudo, quando implicam um esforço da nossa parte.
Curiosamente, tenho constatado na minha vida pessoal e profissional que quando as mudanças são desejadas e vividas em consciência, o esforço torna-se menor, por vezes irrelevante, ou senão, bastante suportável.
As revoluções implicam mudar o status quo e acima de tudo não ter medo de se perder o que se tem. Não numa atitude suicida de não ter nada a perder e com a qual tudo é permitido mas numa atitude de confiança na visão que nos sustenta a mudança.
É preciso ter uma visão que faça sentido, para nós e para o colectivo. Uma visão que seja boa para nós e para o colectivo porque se for boa apenas para nós, a prazo deixará de o ser. É essa visão que poderá guiar e sustentar a revolução.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Exaltação

Vejo uma imagem que mostra o Terreiro do Paço inundado de gente numa demonstração de protesto contra a austeridade. Aconteceu no sábado dia 29 de Setembro. Como sempre, imagens como esta emocionam-me, imagens de gente que por algumas horas se une com um propósito comum e se sente parte de um todo, mesmo que seja de um todo sofrido. Há um sentimento de união, de partilha e também de alento. Por algumas horas sente-se que é possível o que quer que seja que se procura, que se deseja. Contudo, dura apenas algumas horas porque trata-se apenas e tão só de uma exaltação. Nós os portugueses somos dados a exaltações, deixamo-nos arrebatar pelo calor do momento e nesses momentos vivemos uma eternidade. É como nos reencontros de família ou de colegas em que se promete que nunca mais se voltará a estar tanto tempo sem dar notícias. É como nas promessas que se fazem de" nunca mais" ou "para sempre". Há um absoluto na exaltação que torna impossível a sua manutenção sustentada, seja a nível pessoal seja a nível colectivo. As exaltações são estados bons mas não podem funcionar como o contraponto duma dormência continuada em que a união e o propósito comum são obliterados. A nível individual significa vivermos parcialmente, sem escutarmos as nossas diferentes vozes, os nossos diferentes sentires. Cada parte a puxar para o seu lado e esperando "que seja o que Deus quiser". Colectivamente o fenómeno é o mesmo. Contudo, os momentos de exaltação permitem ver que é possível fazer diferente! Só têm que ser integrados no sistema com carinho e persistência. Deste modo, o calor do momento poderá transformar-se num fogo mais permanente que alimente mais continuadamente as psiques e os povos.